sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Justiça determina que candidata rejeitada por ser ‘bonita’ deve ser incluída no sistema de cotas

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) decidiu, por maioria, manter o entendimento de 1ª instância que determinou que o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) reconhecesse a condição de cotista a uma candidata aprovada em concurso público nas vagas reservadas aos candidatos negros e pardos. O colegiado entendeu que houve contradição na avaliação feita pela banca organizadora, que afirmou que a economista Rebeca da Silva Mello, de 28 anos, não se enquadraria nas cotas “por ser uma mulher bonita” e não apresentar as anatomias “identificadas aos negros”, como cabelo crespo, nariz e lábios extremamente acentuados e cor da pele evidenciada.

Segundo os avaliadores, por “visualmente possuir padrões socialmente enquadrados e aceitos como de beleza”, a candidata “não sofrera ou experimentara discriminação e, portanto, não poderia ser considerada negra ou parda para o sistema de cotas”. A defesa de Rebeca argumentou que a decisão seria racista, pois significaria afirmar que somente as negras e pardas “que não apresentam traços estéticos socialmente estabelecidos como padrão de beleza são as que sofreram discriminação social”. “Trata-se de critério avaliativo preconceituoso e não previsto no ordenamento, até porque não se afigura como esse o espírito normativo em tela, que restringe à heteroidentificação a conclusão se o candidato é negro/pardo, sem qualquer especulação acerca de sua estética”, escreveu.

De acordo com o TJDF, “os critérios devem ser restritos tão somente à identificação de raça”. Rebeca concorria a uma das vagas destinadas ao cargo de Técnica, na Especialidade Administração. Após ser aprovada na prova objetiva, a candidata foi submetida ao procedimento de verificação da condição de candidata negra, e a banca não a considerou apta, apesar de ter sido habilitada em outros três concursos como cotista. No recurso, o Cebraspe disse que, além da candidata “não ter características fenotípica que se enquadravam na resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a autodeclaração não esgotaria o processo de seleção, uma vez que é necessária à análise dos aspectos físicos do candidato”.

Ao analisar o pedido, o desembargador relator designado destacou que o ato é ilícito, uma vez que “afrontara a razoabilidade, a proporcionalidade e sem qualquer motivação plausível diante da incongruência lançada em cotejo com seus próprios atos anteriores de heteroidentificação” da autora. Segundo o magistrado, “a incoerência da banca “configura ofensa aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, notadamente porque fere a identificação de raça do indivíduo/candidato e destinatário da promoção afirmativa de restauração social, cujo espírito volvida-se à mitigação da desigualdade social e discriminação social”.

O colegiado entendeu ainda que a banca estabeleceu critérios de avaliação subjetivos não previstos em lei para aferição de identificação de raça. De acordo com os julgadores, os requisitos devem estar restritos somente a identificação de raça, não suportando outras especulações sobre o estereótipo do candidato. “O que emerge, outrossim, é a impossibilidade do agente em lançar critérios superficiais, aparentes ou especulativos sob infundada alegação de padronização de quem ‘realmente’ sofrera ou não preconceito racial tão-somente carreada em análise estética, caminho esse que, além de ilícito, se mantido, autorizar-se-ia a propagação de injustiças e estabelecer-se-ia, ao contrário do que emana no consciente ou na motivação de tais atos, o inverso do que essencialmente a ação afirmativa visa combater ou mitigar, que são as desigualdades sociais, as discriminações nocivas e os preconceitos nefastos, promovendo-se evidente vulgarização às avessas desse elevado instrumento de política pública, afetando-lhe com instabilidade e insegurança jurídicas”, ressaltou o relator.

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