A manutenção do teto de gastos é mais importante para a recuperação da economia brasileira no pós-crise do novo coronavírus do que a agenda de reformas idealizada pelo governo federal. Na avaliação de Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, a responsabilidade fiscal vem à frente dos projetos de mudança no sistema tributário e na administração da máquina pública, e o Ministério da Economia deve se empenhar na aprovação dos “gatilhos” do teto, distribuídos nas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) Emergencial e do Pacto Federativo, para evitar a disparada da inflação e a fuga dos investidores internacionais do país. “Não fazer nada é melhor do que fazer algo que rompa o teto. No cenário em que o teto é mantido e os gatilhos são aprovados, eu vejo um ‘upside’ para a economia. Caso não haja reformas, mas o teto continue vigente, algumas pessoas terão mais dificuldades de renda no próximo ano, mas a economia e a dívida pública conseguem sobreviver”, disse em entrevista à Jovem Pan.
Os dois textos já foram encaminhados ao Congresso, mas ainda não há data para votação. O governo federal articula para que as matérias sejam aprovadas ainda neste ano, mas a paralisação das atividades no Legislativo por causa da eleições municipais e o intervalo de menos de um mês entre o fim dos pleitos e o recesso parlamentar devem jogar as discussões apenas para 2021. A ruptura do teto aprovado em 2016 ficou iminente após o anúncio do uso de verbas destinadas aos precatórios para financiar o Renda Cidadã, o programa social idealizado pela gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) para substituir o Bolsa Família. Após críticas de opositores e governistas, a medida não foi mais tocada pelo Planalto. Para Honorato, o recuo sinaliza o compromisso do Executivo em manter os gastos sob controle. “Tem que ver como vai ser o comportamento do Congresso e do governo depois das eleições municipais. Se voltarmos com discussões semelhantes àquelas, como a dos precatórios, então as palavras foram em vão. Se o recuo for mantido, há baixo risco de ruptura”, afirma.
Para o economista, a ampliação dos gastos com ações de proteção social, como o auxílio emergencial, não justifica abrir mão do controle de gastos — salvo o surgimento de uma segunda onda da pandemia, como observado em países da Europa. O governo federal estima que os gastos para combater o novo coronavírus farão a dívida pública alcançar 96% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, segundo o Relatório de Projeções da Dívida Pública divulgado em 30 de outubro. “Tem espaço para políticas fiscais boas dentro do orçamento, simplesmente redirecionando as despesas para gastos mais eficientes”, afirma. O Executivo já gastou R$ 452,6 bilhões dos R$ 587,5 bilhões previstos para combater os efeitos da Covid-19 no Brasil.
Na análise do banco, o IPCA deve alcançar pico de 4,7% nos 12 meses acumulados em junho de 2021 — acima do centro da meta de 3,75% perseguida pelo Banco Central para o ano. Em outubro, o IPCA chegou a 0,86% e somou avanço de 3,92% nos últimos 12 meses, divulgou o IBGE nesta sexta-feira, 6, próximo do centro da meta de 4% para este ano. A variação dos preços é puxada pelo encarecimento dos alimentos nos últimos anos, reflexo do aumento do consumo interno, valorização do dólar ante o real e maior demanda dos mercados internacionais pelas commodities agrícolas. Desde o início da escalada, em agosto, o governo afirma que a situação é pontual, opinião também compartilhada por Honorato. “Não vejo descontrole da inflação. Temos um cenário confortável onde a inflação continuará subindo até o centro da meta. A situação que nos levaria ao risco inflacionário seria perda de controle das contas públicas”, diz.
O Comitê de Política Econômica (Copom) do Banco Central manteve, em outubro, a Selic a 2% ao ano. A decisão de manter a taxa básica de juros da economia ao nível mais baixo da história é avaliada como correta pelo economista-chefe do Bradesco, porém, com a ressalva de que a autoridade monetária deve lançar sinais de alerta ao mercado sobre a alta inflacionária. “A política monetária funciona. As vendas de imóveis estão crescendo, as de automóveis estão melhorando, há melhor performance na Bolsa de Valores. Não foi um erro cortar para 2%, mas o processo de calibragem deve ser feita”, afirma. Para o banco, a taxa permanecerá neste nível até o primeiro trimestre de 2021, para então iniciar o processo de reversão e fechar o ano a 3,5%.
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