O desemprego tem sido um dos problemas mais agravados pela pandemia do novo coronavírus no Brasil, atingindo 13,5 milhões de brasileiros em setembro. Com os jovens fortemente afetados pela falta de emprego, cresceram as buscas por sites e aplicativos de relacionamento patrocinado desde o início do isolamento social. Plataformas que oferecem esse tipo de relação, definida como um envolvimento temporário ou não entre homens mais velhos e mulheres jovens, registraram aumento na quantidade de inscritos durante a pandemia. A maioria desses novos membros é formada por jovens garotas em busca de daddies, parceiros mais velhos e financeiramente bem-sucedidos. Sexólogos, no entanto, alertam que esse modelo de relacionamento “hierarquizado” pode se transformar em uma relação tóxica, além de seguir padrões antigos da sociedade, onde o homem assumia o “papel de provedor”.
“A crise econômica afetou diretamente a vida das jovens. Muitas delas tiveram dificuldade para continuar com os estudos e estavam com as mensalidades das faculdades atrasadas, por exemplo. Essas jovens encontraram no relacionamento sugar uma forma de auxílio financeiro que poderia garantir o pagamento de seus estudos, dos aluguéis de suas casas e outros benefícios”, explica Fernando Gonçalves, proprietário da plataforma Universo Sugar, que nos últimos seis meses viu o número de usuários saltar de 15 mil para 25 mil. De acordo com ele, o público que procura pelo serviço é composto, em grande maioria, por jovens estudantes entre 21 e 28 anos que buscam por homens mais velhos e bem-sucedidos que podem “alavancar suas carreiras profissionais e, até mesmo, proporcionar um estilo de vida mais luxuoso com maiores garantias de futuro”. Ainda relacionado ao perfil dos usuários, a média de idade dos daddies é de 43 anos, com patrimônio em torno de R$ 8 milhões e renda mensal média de R$ 80 mil.
Os relacionamentos sugar são baseados, principalmente, na sinceridade e no compartilhamento do estilo de vida e experiências, segundo Philip Cappelletti, CEO da plataforma MySugarDaddy. “Nesse tipo de relação, homens mais velhos e bem-sucedidos financeiramente, os Sugar Daddies, desejam dividir o estilo de vida luxuoso com mulheres mais jovens. Essas jovens, as Sugar Babies, são normalmente universitárias que estão iniciando suas vidas profissionais e não podem desfrutar de muito luxo. Assim, elas recebem uma espécie de mentoria profissional de um homem experiente, frequentam festas da alta sociedade, jantares em restaurantes caros, e, até mesmo, fazem viagens internacionais”, explicou. Cappelletti diz que não há regras estabelecidas para o relacionamento – uma vez que depende apenas dos envolvidos –, podendo haver sexo ou não e se tornar um namoro longo ou de médio e curto prazos. A plataforma proporciona apenas o encontro e a conversa entre os dois tipos de perfis.
“A escolha de um daddy depende da afinidade que existe com a outra pessoa, é preciso haver um interesse mútuo para que o relacionamento aconteça, assim como em qualquer outro”, relata a sugar baby Luisa*, de 26 anos. Ela diz que conheceu o mundo sugar através de uma amiga, que a influenciou e a ajudou, aos poucos, a perder o medo de entrar no meio. “Um dia fiz o cadastro em uma plataforma, iniciei algumas conversas com daddies e resolvi me encontrar com um deles. Estava receosa, com o pé atrás, mas acabei gostando. Desde então, sou sugar baby. Já conheci muitas pessoas boas neste meio, que me ajudaram de alguma forma”, afirma. Luisa, atualmente, tem um sugar daddy fixo, como um namorado. “Temos todas as regras combinadas e somos muito honestos um com o outro. Ele me dá uma ajuda fixa com a faculdade, me leva para viajar e sempre rola uns mimos inesperados. Eu também procuro surpreender, preparo jantares e compro alguns presentinhos. Ele adora minha companhia e faz questão de me ter por perto”, relata.
Relação hierarquizada
Para a sexóloga Marina Simas, sócia-diretora do Instituto do Casal, de São Paulo, apesar das regras serem claras dentro dos relacionamentos sugar, “a grande maioria tem a tendência a se tornar tóxico“. “É uma relação hierarquizada, em que um dos envolvidos ocupa uma posição superior ao outro, muito diferente das atuais em que os casais dividem as contas e trocam intelectualmente. Este modelo de relação é mais parecido com os do passado, quando o homem era visto como o provedor. Sendo assim, neste ‘manda quem pode, quem tem dinheiro e obedece quem tem juízo’, geralmente, a pessoa dependente financeiramente fica mais acuada e o relacionamento pode ser prejudicial a ambos.” A sexóloga lembra de uma situação em que atendeu em sua clínica: um casal sugar que enfrentava problemas de conciliação. O daddy queria se mudar de país, enquanto que a sugar baby ainda cursava a faculdade e não queria deixar para trás sua vida no Brasil. “Como fica uma situação como essa?”, questiona. Ainda que, muitas vezes, o dinheiro seja protagonista no relacionamento sugar, a especialista esclarece que o modelo nada tem a ver com a prostituição. “Desde o início do envolvimento, o casal sugar delimita todas as regras, o contrato é claro. Enquanto a prostituição é focada no prazer sexual imediato, sem vínculos, o relacionamento sugar está atrelado ao envolvimento afetivo e cumpre um papel social na vida das pessoas. O sexo pode fazer parte da vida cotidiana do casal, mas a relação não se limita a ele”, explica a sexóloga Marina.
A média de um auxílio oferecido pelos daddies às parceiras é de R$ 3.000. No entanto, os valores são variáveis. Luisa* ressalta que, ao menos em seu namoro, com os valores depositados por seu daddy, é possível construir uma estabilidade financeira. “Ele me ajuda com a faculdade, então consigo deixar livre o dinheiro que tiro no estágio para gastar com outras coisas. Com certeza, apenas o valor que ele paga na mensalidade, seria o bastante para uma pessoa se manter. Inclusive, eu cursava uma faculdade mais barata, mas ele decidiu me ajudar, pediu para que eu me matriculasse em uma instituição mais cara, com melhor qualidade de ensino. Sendo assim, ele arca com a mensalidade integral e ainda me dá mesadas para comprar roupas, sapatos e outras coisinhas”, disse.
*O nome foi trocado na reportagem a pedido da entrevistada.
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