O rombo na economia provocado pelo novo coronavírus deve retardar os efeitos da reforma previdenciária no ajuste fiscal do país. O aumento do desemprego, fechamento de empresas e recuo dos investimentos privados encolhem o potencial de alívio de R$ 856 bilhões aos cofres públicos estimado pelo governo federal após a aprovação da medida há um ano — a expectativa da equipe econômica chegou a ser de R$ 1,2 trilhão no início de 2019, antes da desidratação da proposta pelo Congresso. Na outra ponta, a disparada dos gastos públicos para conter os impactos da pandemia aumenta o já problemático déficit nacional. Pelas contas do Ministério da Economia, o país deve fechar o ano com R$ 896 bilhões no vermelho, sendo R$ 607 bilhões despendidos apenas para reparar os efeitos da Covid-19, como o pagamento do auxílio emergencial, a renúncia de arrecadação e programas para manutenção dos empregos.
A pandemia fez o governo retrair a expectativa de arrecadação com a Previdência de R$ 405 bilhões para R$ 390 bilhões em 2020. Desde janeiro, a arrecadação apresenta recuo de R$ 15 bilhões. Somente no bimestre encerrado em agosto, a queda foi de R$ 1,95 bilhão, tendência vista em todos os outros bimestres anteriores. Para André Luiz Marques, coordenador do Centro de Gestão de Políticas Públicas (CGPP) do Insper, o avanço dos informais em meio ao achatamento do mercado de trabalho é uma das avarias causadas pela recessão na Previdência. “Eles não fazem o recolhimento previdenciário, ou seja, o montante para o governo será menor. O desemprego também faz diminuir a arrecadação com a folha de pagamento, e é algo que já está ocorrendo em 2020 e deve perdurar por mais tempo”, afirma.
A despeito dos efeitos imediatos, a resposta do governo federal e a velocidade de recuperação dos índices serão fundamentais para estimar o tamanho do impacto do novo coronavírus na reforma do sistema previdenciário. “Quanto mais tempo demorar, menores os recursos e a arrecadação do Tesouro. Antes, esperávamos ver em até cinco anos os efeitos da reforma nas contas públicas, se esse período de recessão perdurar por muito tempo, essa previsão vai aumentar. Temos grandes desafios com a recuperação econômica”, afirma Marques.
Além dos impactos no controle fiscal, a disparada do aumento do gasto público — e a defesa de parte da equipe do governo em flexibilizar o teto de gastos —, trazem prejuízos à imagem do país diante dos investidores internacionais. Segundo Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, professor de Direito do Trabalho da Fundação Getulio Vargas (FGV), um dos trunfos da reforma previdenciária foi o reconhecimento por parte do mercado financeiro do compromisso do governo em manter o ajuste fiscal sob controle. “Mais do que a economia, a reforma demonstrou aos investidores estrangeiros que o país era confiável e que o governo retomou o controle de gastos públicos”, afirma. As recentes discussões da ampliação do auxílio emergencial para 2021 e a falta de informações sobre o financiamento de programas sociais, no entanto, enterram essa confiança. “Na hora que o governo começa a sinalizar que eventualmente não vai respeitar o teto de gastos, ou que as políticas assistencialistas irão continuar por mais tempo, dificulta a atração do capital estrangeiro.”
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