Com base no caso envolvendo a influenciadora Mariana Ferrer, o Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Fernando da Silva Comin, enviou ao presidente Jair Bolsonaro e aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, sugestões de alteração do Código de Processo Penal e do Código Penal, que aumentam a proteção à dignidade da vítima de crimes sexuais e proíbem perguntas e referências à experiência sexual anterior dela, seu modo de ser, falar, vestir ou relacionar-se com outras pessoas. “O recente caso que envolveu a apuração da prática de crime de estupro em um beach club na cidade de Florianópolis e ganhou repercussão nacional nos últimos dias, em especial pela condução da audiência de instrução e julgamento, levantou, uma vez mais, a necessidade de discussão sobre os limites de atuação das partes no processo penal, a fim de garantir a busca da prova e da verdade, sem violar a dignidade das vítimas desses crimes”, ressaltou Comin no ofício.
Na terça-feira, 3, o The Intercept Brasil divulgou um trecho da audiência, na qual o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que defende André de Camargo Aranha, acusado de estuprar Mariana Ferrer em 2018, em um requintado beach club em Florianópolis, aparece humilhando a vítima. Rosa Filho mostra fotos de Mariana antes do caso para argumentar que a relação foi consensual. Gastão classifica as imagens como “ginecológicas” e diz que “jamais teria uma filha” do “nível” da influenciadora. “Eu também peço a Deus que o meu filho não encontre uma mulher como você”, diz. Mariana fica abalada com as declarações. Gastão segue acusando a jovem de fazer um “showzinho”. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”, continua. Em sentença publicada em 9 de setembro, o juiz Rudson Marcos absolveu Aranha. O magistrado acatou os argumentos da defesa e destacou a ausência de “provas contundentes nos autos”.
As principais justificativas apontadas para a mudança processual dos crimes contra a dignidade sexual são evitar a revitimização e garantir que o processo judicial não possibilite ou seja utilizado para expor a vida privada da vítima ou desqualificá-la moralmente como uma estratégia da defesa do acusado. Com a alteração solicitada pelo MP, seria incluído um parágrafo ao artigo 157 do CPP, que define provas inadmissíveis ou ilícitas. “Nos processos que envolvam a prática de crimes contra a dignidade sexual (Título VI da Parte Especial do Código Penal), são inadmissíveis as seguintes provas, salvo se tiverem o objetivo de provar que foi outro o autor do ato delituoso: I – relacionadas direta ou indiretamente à experiência sexual anterior ou subsequente do ofendido com qualquer pessoa que não seja o réu; II – que digam respeito ao comportamento sexual do ofendido, seu modo de ser, falar, vestir ou relacionar-se.”
No ofício, Comin destaca iniciativas como essa já adotadas em países como Estados Unidos, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, chamadas de “Rape Shield Laws”, que apresentam “dispositivos que vedam às partes realizar perguntas sobre a vida sexual pretérita de vítimas de crimes contra a dignidade sexual; proíbem o uso de evidências sobre o histórico sexual para definir a vítima como um tipo que é mais ou menos suscetível a consentir com a prática de atividades sexuais; e vedam o uso do histórico sexual da vítima para definir sua credibilidade”. Comin salienta que já foram adotadas várias iniciativas nesse sentido, nas esferas administrativas e judiciais, mas o vazamento do vídeo da audiência do caso ocorrido em Florianópolis demonstra que há necessidade de contínuos avanços nessa linha e, mais do que isso, que é preciso determinação normativa a assegurar a concretude e validade dos atos que impeçam tais condutas.
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