A história é digna de um roteiro cinematográfico. No dia 1º de outubro de 2009, o jornal ‘O Estado de São Paulo’ trouxe uma reportagem mostrando trechos de uma prova que seria aplicada para 4,1 milhões de estudantes dali a dois dias, no final de semana. Este era o início de um dos maiores escândalos da história da educação brasileira: o vazamento das provas do Enem.
Criada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Enem tem como objetivo avaliar o desempenho do Ensino Médio no Brasil, além de servir como porta de entrada para inúmeras universidades dentro e fora do país.
O conteúdo das provas foi oferecido para uma repórter dor jornal por telefone. Quem oferecia o material eram funcionários temporários da gráfica Plural, responsável pela impressão do material. Os criminosos furtaram um exemplar de cada dia da avaliação, denunciando uma grande falha no esquema de segurança vendido pelo consórcio responsável pela avaliação, o Connasel. Na época, o estelionatários queriam R$ 500 mil pelas prova completa.
A jornalista não aceitou pagar o valor, mas conseguiu memorizar detalhes de algumas questões ao folhear a prova em um encontro com os criminosos. As poucas informações foram suficientes para ter a confirmação do então ministro da Educação, Fernando Haddad, de que o documento era o original.
Felipe Pradella, Gregory Camillo Craid, Filipe Ribeiro Barbosa e Marcelo Sena Freitas foram condenados, mas nenhum deles chegou a cumprir a pena. Como todos eram réus primários, ainda aguardam julgamento em segunda instância, dez anos após o crime.
Clima estranho
Em 2009, a avaliação era muito aguardada porque traria um novo formato, com 180 questões de múltipla escolha e o sistema TRI para cálculo da nota, além da redação.
Naquele ano, a estudante de Psicologia Gabrieli Mello prestou o Exame com a intenção de ingressar no curso de Jornalismo. Ela lembra que: diferente dos outros anos, o Enem já estava “dando o que falar” mesmo antes do vazamento. “Quando saiu a divulgação dos lugares, todo mundo foi designado para um lugar bem longe. Quando a prova do Enem vazou, todo mundo comentou que ‘alguma coisa estava errada’ mesmo. Todo dia chegávamos na escola em busca de novas notícias”, lembra.
“Eu não abri mão de fazer a prova depois, mas fui desacreditada. Muitos amigos desistiram”, conta. A prova, cancelada, foi reaplicada nos dias 5 e 6 de dezembro do mesmo ano.
De acordo com a professora Larissa Coppini, que ministrava aulas de Português em um colégio da rede particular na época, a notícia não deixou os docentes tão inseguros. “Depois do que aconteceu em 2009, a gente passou a confiar mais na prova e acreditar que, a partir de 2010, a segurança seria reforçada. Gosto muito da prova e o fato dela não ser uma avaliação de ‘decoreba’. O Enem vai além disso.”
Principais mudanças
A primeira mudança que aconteceu após o roubo do exame foi a contratação de empresas especialistas para cada etapa. Na época, uma empresa escolhida por meio de licitação terceirizava os serviços. Em 2009, por exemplo, foi o Connasel que contratou a gráfica Plural – local em que o crime aconteceu.
Atualmente a Fundação Cesgranrio e a FGV cuidam da aplicação da prova; os Correios são os responsáveis pela a distribuição do Exame; e a gráfica Valid S.A. é quem imprime as mais de 10 milhões de avaliações – todas personalizadas, já que desde 2017 cada prova, cartão de resposta e redação levam o nome e dados pessoais de cada participante também como medida de segurança.
Nos últimos anos, todos os candidatos passaram a ter que se identificar através da impressão digital, colhida no início da prova. Cada sala também tem um aparelho detector de ondas magnéticas para identificar o uso de aparelhos eletrônicos durante a avaliação.
Os ajustes para melhorar a segurança são feitos até hoje. De acordo com o presidente substituto do Inep, Camilo Mussi, uma das principais mudanças para o ano de 2019 é a tolerância zero com o toque de celular – mesmo que ele esteja no saco plástico lacrado distribuído no início da prova. “Se o candidato deixar o celular desligado, mesmo dentro do saco, e o alarme ou ligação tocar: isso o elimina automaticamente. Foi uma determinação da Polícia Federal que o Inep acatou”, explica.
Todas essas medidas funcionam como redutoras de risco para evitar que vazamentos como o de 2009 aconteçam a prejudiquem os milhões de candidatos mais uma vez.
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