A família de Rafael Ribeiro Santana, 27 anos, tenta provar a inocência do ajudante geral, acusado e preso por roubo de celular no dia 26 de julho de 2019. Quatro meses depois, a defesa alega que há Justiça supostas provas de que o jovem estava trabalhando no momento da ocorrência.
Rafael era funcionário informal de uma banca de cachorro-quente nas imediações do Parque da Independência, na Zona Sul de São Paulo, há cerca de 5 meses. Às 14h20 da quarta-feira, 17 de julho, o homem pegou sua a bicicleta para ir ao mercado comprar salsichas – pedido do seu patrão, vendedor do lanche.
As câmeras de segurança do estabelecimento, um varejão que fica há 1,6 quilômetros do parque; a nota fiscal da compra e dois amigos que o encontraram no percurso indicam que o jovem não estava no Independência na hora do crime. De acordo com as supostas provas, ele teria passado pelo caixa às 14h31.
O furto aconteceu no intervalo de tempo em que Rafael estava ou no mercado ou no trajeto de volta ao posto de trabalho – às 14h34, conforme o Boletim de Ocorrência.
Porém, ao retornar ao Independência, um casal o abordou e alegou tê-lo reconhecido como culpado por roubar o celular da filha de 10 anos. Eles confirmam que viram Rafael entregar o pacote do mercado ao seu chefe, mas mesmo assim mantiveram a denúncia.
Um amigo do ajudante geral, que o acompanhava no momento da abordagem, filmou parte das acusações. Nas imagens, os pais da vítima repetem várias vezes que ele “já é malandrão” e “sabe como funciona o sistema”. Em nenhum momento Rafael tentou fugir.
Ele saiu das dependências do parque algemado e preso em flagrante, acompanhado da Polícia Militar. No dia 26 de julho Rafael foi levado para o Centro de Detenção Provisória de Guarulhos após passar pela audiência de custódia.
Rafael já foi preso por roubo em 2013 – e cumpriu pena até 2015. O inquérito, apesar de ter sido arquivado em 2017, foi fundamental para a escolha da prisão preventiva – onde o juiz julgou que o ajudante geral, por ter uma condenação anterior, ofereceria riscos se permanecesse em liberdade.
Possíveis falhas jurídicas
Desde então a defesa de Rafael contesta – já que, além das provas físicas, ele não foi flagrado cometendo o crime e nem com objetos que o apontassem como culpado. A advogada dele, Caroline dos Santos Silva, reforça possíveis falhas jurídicas.
“Não poderíamos nem falar em prisão em flagrante, porque temos um flagrante nulo. O Código de Processo Penal (CPP) é claro em estabelecer os requisitos necessários. Isso deveria ter sido observado em audiência de custódia, mas foi convertido em preventiva.”
O artigo 302 do CPP configura em flagrante delito quem “I – está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”
Além disso a defesa coloca que a vítima, em depoimento, relata um crime de furto. Já na denúncia oferecida pelo Ministério Público de São Paulo, o ato está classificado como um roubo, devido ao emprego de violência – que não foi relatado pela vítima.
O advogado da família da vítima, Cleber Puglia Gomes, confirmou em entrevista à Jovem Pan que a mãe da menina viu Rafael entregar a capinha do celular – objeto recuperado pela família – ao segurança do parque. A informação, no entanto, não foi citada por ela anteriormente nos depoimentos dados à Polícia.
Caroline lembra que o reconhecimento, como prova, é muito frágil. De acordo com ela, estudos provam que existe um mecanismo psicológico que faz com que a vítima busque incansavelmente o autor da infração após um delito.
Segundo a advogada, “um indivíduo comum não precisa saber que esse tipo de situação acontece. Mas atores estatais que trabalham em investigações criminais precisam ter essa consciência para valorar, de forma eficiente, a prova que, por si só, já é frágil”.
De acordo com o advogado criminalista Fernando José da Costa, “o juiz tem liberdade para valorar a prova que entender mais relevante. Não há uma regra de qual prova vale mais, mais há bom senso, um reconhecimento em tese é mais frágil que uma gravação de imagem e nota fiscal”.
“O principal erro do processo do Rafael é o peso excessivo do reconhecimento da vítima e das testemunhas. Se temos de um lado uma prova irrefutável de que ele não estava no local do crime e do outro lado apenas um reconhecimento, a gente não pode pesar uma prova que é passível de erro”, completa.
‘Eles querem manter meu irmão preso’
A atendente Daiane Santana, de 32 anos, irmã mais velha de Rafael, relata que o ele é “muito amigo, carinhoso e amoroso”. De acordo com ela, a família está indignada, e espera por justiça.
“Todas a provas estão no processo, mas eles querem manter meu irmão preso. Minha mãe está doente e a esposa dele acabou perdendo um bebê”, desabafa.
Além da irmã, mãe e esposa, Rafael também tem um filho e sobrinhos pequenos que sentem sua falta e chamam por ele. Os filhos de Daiane, inclusive, estavam com Rafael no Parque da Independência empinando pipa no dia do crime.
Para a conclusão do caso, uma audiência está marcada para o dia 3 de dezembro para um novo reconhecimento do suspeito. Como a imagem de Rafael foi muito veiculada, a defesa entrou com requerimento para que ela não aconteça.
A continuidade dessa oitiva acontecerá no dia 12 de dezembro no Fórum Criminal da Barra Funda, onde Rafael será interrogado.
Segundo Fernando José da Costa, se declarado culpado, a pena para o furto seria de um a cinco anos de prisão. Como o Boletim de Ocorrência foi registrado como roubo, o tempo em reclusão varia de quatro a dez anos – com possibilidade de aumento da pena sob confirmação de agravantes.
Se reconhecido o possível erro, “a prisão deve ser revogada pelo próprio juiz que a decretou, explicando o equívoco através de uma petição que é decidida em cerca de 15 dias”, explica Fernando.
Se isso não der certo, um Habeas Corpus no Tribunal que a liminar é julgada é decidido em até uma semana – e o mérito em uns 3 meses. Se ainda assim não acontecer, um novo Habeas Corpus deve correr no STJ. Em último caso, o HC deve ser enviado ao STF.
Acusação
Procurada, a família da vítima decidiu se pronunciar através do advogado Cleber Puglia Gomes. No entanto, o bacharel se limitou a dizer que “houve um crime ao qual a criança de 10 anos foi vítima e teve reconhecimento dela e da mãe – com uma reação dentro da normalidade e sem ofensas” e que a investigação e esclarecimentos dos fatos “cabem ao Ministério Público”.
O que dizem as autoridades
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo alegou que “o caso foi investigado pelo 17º DP – Ipiranga e relatado à Justiça em 19 de julho, não mais retornando à unidade”.
Por sua vez, questionado sobre os argumentos de manter a prisão mesmo sem flagrante e não considerar as supostas provas apresentadas pela defesa, o Ministério Público declarou que “ofereceu a denúncia por entender que há prova de autoria e materialidade, tanto que a prisão foi mantida pelo juiz.”
De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, o Parque da Independência registrou três Boletins de Ocorrência por roubo e outros três por furto apenas em 2019 – cerca de um caso a cada dois meses. Um dos crimes, inclusive, ocorreu no mesmo 17 de julho de 2019 às 10 horas manhã. O crime alegado contra Rafael ocorreu às 14h34.
A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente disse, por nota, que o policiamento na região “é feito por profissionais terceirizados que fazem rondas 24 horas por dia na área interna do parque” e pela Guarda Civil Metropolitana constantemente.
Segundo a Pasta, existe ainda um projeto em análise para instalação de equipamentos de videomonitoramento.
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