terça-feira, 3 de dezembro de 2019

JP Descomplica: O que Bolsonaro precisa fazer para criar o Aliança pelo Brasil?

Nesta terça-feira (3), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) volta a discutir se as assinaturas eletrônicas são válidas para a criação de partidos. O julgamento começou na última semana, mas foi suspenso após um pedido de vista (o que significa mais tempo para análise) do ministro Luis Felipe Salomão.

Essa decisão pode impactar no novo partido do presidente Jair Bolsonaro, o Aliança Pelo Brasil. Bolsonaro se desfiliou do PSL para criar a sigla, e a intenção é que esteja pronta em abril de 2020, seis meses antes das eleições municipais que ocorrem em outubro.

No entanto, até mesmo o presidente já admitiu que pode ser que isso não aconteça, já que o processo para a criação de um partido político costuma ser difícil e demorado. É preciso atender a uma série de exigências, entre as quais obter um número mínimo de assinaturas de apoio em todos os estados.

“Se for via eletrônica eu tenho certeza que com o apoio de todos vocês, em um mês, um mês e meio a gente consegue todas as assinaturas. Caso isso não seja possível, vamos ter que colher assinatura física, e o partido não vai ficar pronto rápido. No meu entender, de um ano a um ano e meio”, afirmou Bolsonaro.

Perguntas e respostas

Quais são as etapas para a criação de um partido político?

Segundo o advogado eleitoral Alberto Rollo, o primeiro passo é fazer uma reunião de fundação que precisa ter a presença de, no mínimo, 101 membros, de pelo menos 9 estados. Eles precisam assinar um requerimento para que a sigla ganhe um número de Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e possa funcionar como pessoa jurídica.

Depois disso, é necessário aprovar o estatuto, o programa e a diretoria do partido. Essas etapas foram realizadas na reunião de fundação do Aliança pelo Brasil, no último dia 21.

Após o registro no cartório, o partido em formação tem até cem dias para informar ao TSE a criação. A partir daí, começam os trabalhos de natureza burocrática, como a coleta de assinaturas. De acordo com Rollo, a legislação afirma que são necessários 492 mil apoiamentos — 0,5% dos eleitores que votaram na última eleição para deputados federais.

Como funcionam as assinaturas eletrônicas? E a biometria?

Inicialmente, os integrantes do Aliança pelo Brasil cogitaram realizar a coleta de assinaturas de forma eletrônica. Esse mecanismo é expedido pela Receita Federal e por outros órgãos autorizados e estabelece um padrão de chaves criptografadas que funcionam como um “selo”, substituindo a assinatura física.

Entretanto, para validar a assinatura, cada apoiador precisaria comprar um dispositivo, que não sai por menos de R$ 150. Por isso, a advogada e tesoureira do Aliança pelo Brasil, Karina Kufa, disse que o sistema que o partido pretende adotar é o da biometria.

“Além de ser um procedimento do próprio TSE, totalmente seguro, também é barato. Vai depender apenas de um aplicativo que pode ser criado pelos próprios partidos e que conversaria com o sistema do TSE para impedir qualquer tipo de fraude”, explicou.

Além disso, ela lembrou que 80% dos eleitores já têm a biometria – que é o sistema utilizado para votar em qualquer eleição –, o que facilitaria o processo.

Qual das etapas é a mais trabalhosa? Por que?

O advogado eleitoral Alberto Rollo explicou que a etapa mais trabalhosa não é a coleta de assinaturas, mas a validação delas. “Essa sem dúvida é a etapa que demora mais. É um trabalho que demanda tempo”, afirmou.

Desde 2018, o recolhimento é feito de forma física, segundo resolução do TSE. Para validar as assinaturas, é necessário cumprir algumas etapas, como fazer um pré-cadastro dos apoiadores em que é preciso preencher dados como número do título de eleitor e endereço.

Depois disso, os organizadores do partido formam listas. Cada apoiador assina manualmente esta lista, que é encaminhada ao cartório eleitoral. O cartório pega a ficha, compara com o pré-cadastro e só a partir daí faz a autenticação das assinaturas, uma a uma.

Para Karina, como a Justiça Eleitoral não tem um departamento próprio para isso, o servidor que realiza a conferência das assinaturas precisa conciliar com as atividades do dia a dia, o que pode deixar o processo muito mais demorado.

O Aliança vai ser criado até as eleições municipais de 2020?

A intenção de Bolsonaro é que a sigla esteja pronta em abril de 2020, seis meses antes das eleições municipais que ocorrem em outubro. Nelas, serão escolhidos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores.

No entanto, com a quantidade de etapas para a criação de um partido, é provável que esse processo não aconteça em quatro meses. Os parlamentares ainda aguardam a decisão do TSE sobre a validade das assinaturas eletrônicas, que pode ocorrer no julgamento de hoje.

Depois, começa o recolhimento dos 492 mil apoiamentos. Se o TSE julgar legal a biometria, os integrantes do Aliança esperam que essas assinaturas sejam levantadas rapidamente. Entretanto, se o processo seguir de forma manual, pode demorar até um ano, na visão do advogado e secretário-geral do Aliança pelo Brasil, Admar Gonzaga.

Mesmo se forem recolhidas rapidamente, ainda há o processo de validá-las, o que, segundo Alberto Rollo, é a etapa “mais demorada e trabalhosa” (ver acima).

Quantos partidos estão no processo de criação pelo TSE?

São 76 siglas que estão em processo de formação no TSE. Dessas, apenas quatro já têm pedido de estatuto e de órgão nacional para o Tribunal — que deve ser entregue com a lista de assinaturas.

Porém, apenas uma dessas possíveis novas legendas está na fase de análise da viabilidade para registro. De acordo com a tesoureira do Aliança pelo Brasil, Karina Kufa, a maioria encontra dificuldades justamente na questão das assinaturas.

Vale lembrar que esse processo costuma levar anos. O partido que conseguiu reduzir mais este tempo foi o de Gilberto Kassab, o PSD, que ficou pronto em apenas seis meses — considerando o tempo de recolhimento das assinaturas até a homologação.

Os dois últimos partidos registrados, a Rede e o Novo, demoraram — em média — três anos cada um. Isso significa que o tempo do presidente Jair Bolsonaro é curto — pouco mais de quatro meses — se realmente quiser disputar as eleições municipais de 2020.

O que vai acontecer com os parlamentares que saírem de seus partidos para o Aliança?

Os deputados federais, diferente dos senadores e do Presidente da República, precisam ter justificativas plausíveis para deixar um partido sem serem prejudicados.

Entre elas estão: o partido ser novo (criado ou fruto da fusão de outras duas siglas já existentes), ser verificado desvio no programa partidário ou o deputado ter sofrido discriminação dentro da legenda.

Fora isso, eles só podem sair se forem expulsos ou, então, se esperarem a janela partidária ser aberta. Isso acontece em anos eleitorais, como 2020, seis meses antes do pleito.

É isso o que deve fazer a deputada federal Bia Kicis, que já manifestou o desejo de seguir Jair Bolsonaro. Apesar de dizer que sempre vai acompanhar o presidente, Bia ressaltou que “tudo depende da parte operacional”.

Contrariadas as regras, o parlamentar pode ser enquadrado em caso de “infidelidade partidária” e perder o mandato.

Toda essa burocracia acontece por conta do quociente eleitoral — sistema de contabilização de voto que elege esses parlamentares. Esse resultado é a divisão do número de votos total pela quantidade de cadeiras conquistadas pela sigla.

Em outras palavras, podemos dizer que o cargo dos deputados federais é do partido — e não das pessoas que conquistaram os votos dos eleitores.

O Aliança vai ter direito ao fundo partidário?

De acordo com o advogado e secretário-geral do Aliança pelo Brasil, Admar Gonzaga, essa não é uma preocupação do presidente Jair Bolsonaro, já que ele se elegeu com menos de 10% do que foi gasto em campanhas anteriores.

Porém, é importante ressaltar que a verba é definida de acordo com a quantidade de deputados eleitos no último pleito. Isso significa que deputados que migram para outras siglas, mesmo dentro da lei, não contribuem para aumentar a quantia ou o tempo de TV — definido pela mesma lógica.

Ou seja: Sim, o Aliança pelo Brasil terá direito ao fundo partidário — mas só depois de disputar a primeira eleição e eleger deputados próprios.

O que já se sabe do Aliança pelo Brasil?

Na primeira reunião do novo partido, Jair Bolsonaro, provável futuro presidente da sigla, apresentou os ideais e algumas informações sobre a legenda. Em seu discurso, o presidente do Brasil falou em reunir “todos os brasileiros de bem”.

Quanto aos princípios do partido, a advogada Karina Kufa disse reconhecer “o lugar de Deus na vida, na história e na alma do povo brasileiro”. A defesa da posse de arma também deve ser uma de suas bandeiras. Foi nesse evento, inclusive, que foi apresentado o logo da sigla, desenhado por cartuchos de arma de grosso calibre.

Bolsonaro disse que o partido é “conservador, respeita todas as religiões, dá crédito aos valores familiares, defende legítima defesa — além do porte e posse de armas”. De acordo com ele, o número escolhido foi o 38 por “falta de opção”, além de ser fácil de gravar.

O Aliança pelo Brasil também deve marcar o início da vida política de Jair Renan — o filho 04 do presidente Bolsonaro. Ao lado do pai, do irmão Flávio, de Admar Gonzaga e de Karina Kufa, ele deve ajudar a compor a comissão provisória da sigla.

Quer conferir a reportagem em áudio? No episódio da semana do podcast JP Descomplica, esclarecemos as principais dúvidas sobre a criação dos partidos políticos no Brasil e, principalmente, sobre a nova legenda do presidente Jair Bolsonaro, o Aliança pelo Brasil. É só dar o play!

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